Flagrante de destruição na Capela do Degolado, em Guarapuava

Imagens do suspeito e da destruição da capela (Reprodução/Facebook)

 

Por Jonas Laskouski

 

“Coração partido em ver parte da minha história e da história da minha cidade, destruída pelas mãos de uma pessoa sem o mínimo de educação e decência!”. O desabafo é da guarapuavana Ana Zimermann, que filmou a depredação de um dos patrimônios históricos e religiosos mais esquecidos de Guarapuava, a Capela do Degolado. 

Há muito tempo, os moradores vizinhos ao local reclamam que o espaço virou ponto de uso de drogas e, inclusive, prostituição. O flagrante de tamanha destruição aconteceu no final da manhã desta quarta-feira (22), por volta das 11h40, segundo uma postagem feita no Facebook.

“Hoje essa pessoa do vídeo, por volta das 11:40 destruiu o interior da Capela do Degolado, um imóvel que a algumas décadas faz parte da nossa história, aonde as pessoas depositavam a sua fé e crença.. no topo do altar, havia uma cruz de ferro e que em tamanha fúria e falta de respeito desse cidadão foi arrancada!” O vídeo abaixo mostra a selvageria cometida no local:

 

 

O suspeito de ter cometido o vandalismo também foi flagrado, desta vez por uma vizinha que mora bem em frente à capela, como mostram as imagens abaixo:

 

 

 

TUDO QUEBRADO

Imagens religiosas, porta-retratos, quadros e outros objetos. Tudo quebrado. Ana, que filmou o interior da capela totalmente destruído, é vizinha ao local há 20 anos e diz que não é a primeira vez que isso acontece.

“Há uns dez anos atrás tentaram por fogo. Lembro da minha mãe com outros vizinhos puxando mangueira para apagar, até os bombeiros chegarem. Já teve outras vezes que quebraram alguns santos, mas nunca assim”, conta ela. As imagens entristecem e indignam. 

“Particularmente tenho muitas e muitas histórias nesse espaço, quantas brincadeiras de criança nesse lugar… e sempre a capela sendo cuidada por vizinhos próximos… nos últimos anos era o Paulo (in memorian) que se dedicava em deixar um lugar que tanta fé era expressada, sempre receptivo e bem cuidado”, continua Ana.

Ainda segundo Ana, a estrutura está intacta. “Ainda bem, sabe se lá o que essa pessoa ainda pretendia fazer, mas o interior despedaçado, destruído.. parte da história de muita gente foi perdida, parte do patrimônio histórico de nossa cidade depredado, é triste ver que nem a fé e nem história são respeitados por pessoas sem caráter nenhum!”

A reportagem do Extra Guarapuava entrou em contato com a Polícia Militar que atendeu a ocorrência. Um B.O. de dano ao patrimônio público foi registrado pela vizinha que filmou o suspeito deixando a capela. A PM não conseguiu localizar a pessoa das imagens. A Polícia Civil vai investigar o vandalismo.

De acordo com a Secretaria de Administração, nos próximos dias, uma equipe da Prefeitura de Guarapuava fará a limpeza do local. “A Capela do Degolado é parte do patrimônio histórico de Guarapuava. É importante lembrar que vandalismo contra o patrimônio público é crime e deve ser denunciado diretamente para a Polícia”, diz a nota enviada ao Extra Guarapuava.

Na postagem em que relatou a destruição na capela, Ana Zimermann faz um pedido à comunidade. “Não sei em quanto tempo a capela voltará no seu interior a ser como era, mas convido a todos a resgatar um pouquinho dela… um santinho, uma velinha… fé!”, escreveu ela, contando com a sensibilidade dos guarapuavanos.

 

HISTÓRIA E LENDA SE MISTURAM

Em setembro de 2015, a edição impressa de nº 105 do jornal Extra Guarapuava, contou a lenda do soldado degolado. Segue o texto na íntegra:

“O nome ninguém mais sabe ao certo. Certeza, porém, é que a lenda virou realidade. Dois soldados maragatos, nos idos de 1830, durante a Revolução Federalista, desertaram da tropa do capitão Zeca Tigre e perderam-se pelas matas do altiplano paranaense. Nem sabiam onde estavam, o que foi pior para um deles.

Com sede e com fome, chegaram a uma fazenda, mas acabaram assustando as moças que achavam ser eles estupradores. Eram nada. Eram apenas dois garotos que se recusavam a matar outros brasileiros em nome de uma revolução que até hoje nem se sabe que objetivo tinha.

As moças gritaram por socorro, com medo. A peãozada chegou correndo e prendeu um deles. O outro escafedeu-se pela mata e nunca mais se soube dele ou foi visto. Pode até ter virado o famoso e conhecido por muitos, monge Zé Maria, muito visto e comentado em todas as matas do Paraná ao Rio Grande do Sul, passando por Santa Catarina.

Pobre do rapaz que foi apreendido pelos peões. Garoto ainda, recém criando barba, foi amarrado a uma árvore e ali, com fome e com sede, esperou a chegada do comandante da tropa, um capitão do mato que virou general de tropas, coisa comum naquelas épocas.

– Então é esse o homem que não é homem, e que desertou com medo de morrer? disse o comandante, assim que se aproximou do jovem soldado, que tremia de medo. Alguns preferiam acreditar que tremia era de frio, porque frio não é coisa em falta na região de Guarapuava, seja outono, primavera, verão ou inverno.  A verdade é que ele tremia.

– Pois vai morrer de qualquer maneira, seja de tiro ou de adaga, gritou o capitão do mato, e deu ordens para que a peãozada levasse o garoto para uma clareira. Ali, foi obrigado a cavar a própria cova, entre choros e arrependimentos. Entre uma pazada de terra e outra, implorava por perdão.

– Homem não chora! Homem não implora! Homem não geme! Homem morre como homem, disse o comandante, logo que a cova chegou a uma profundidade considerada razoável. E o facão passou pela garganta do pobre garoto que, literalmente, perdeu a cabeça.

O corpo caiu e foi enterrado. A cabeça foi levada como troféu, para desestimular outros desertores.

Aqui começa a lenda do soldado degolado. Para ele foi erguida uma capela – veja só que ironia – na Rua General Carneiro. Muitos dizem que por ali era visto um corpo sem cabeça andando prá lá e prá cá. Há quem jure que por ser ele um inocente, realiza milagres. Tanto que a capela, erguida durante a administração do prefeito Nivaldo Kruger, cheia de imagens de santos, é ponto de peregrinação. Nos domingos isso aqui fica cheio de gente, fala o vizinho Paulo, que se responsabiliza, com outros vizinhos, por abrir a capela sempre que aparece um crente.

 

(Foto: Reprodução)

 

Virou não apenas o ponto de peregrinação. É ponto turístico da cidade e patrimônio histórico. Pedro ironiza: se é patrimônio histórico, porque não cuidam? A praça é suja, a grama ninguém corta e o local está se transformando em ponto de consumo de drogas, ressalta.

No interior as imagens se sobrepõem num improvisado altar. A pintura é recente, mas internamente há frases rabiscadas na parede. E a há imagens de santos para todos os gostos e crenças.

 

FANTASMA?

Mito ou realidade, o caso do soldado degolado foi motivo para um Casos e Causos, filmado em Guarapuava, em 2010, com a participação de vários artistas locais.  A capela foi incendiada antes do início das gravações. Dizem que foi obra do tal soldado que não gostou de saber que sua história seria contada na TV…

 

 

O episódio dirigido por Marcus Werneck, contou a história de dois amigos que, pela televisão, conhecem a história do soldado degolado. Marco Aurélio (Rodrigo Hayalla) fica com medo e Valdecir (David Felchak) aproveita para fazer uma brincadeira com o colega medroso, mas as coisas não acontecem como ele planejava.