O que o primeiro dia do Enem pode indicar para o segundo dia?
As expectativas criadas para o Enem 2021 foram desconstruídas após a prova do primeiro dia, que contou com 95 itens (dos quais o candidato faria apenas 90) e a prova de redação. Esperava-se uma avaliação distante do formato tradicional do Enem, com temáticas menos atuais e mais apartadas de problematizações filosóficas, políticas e sociais da contemporaneidade.
Apesar disso, as surpresas começaram pelo anúncio do ministro Milton Ribeiro, em sua conta do Twitter, sobre o tema da redação: “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. Mais tarde, com a liberação dos cadernos de prova, perceberam-se itens que contemplavam temáticas atuais, próximas das vivências estudantis, contextualizadas e até problematizadoras.
Os grandes exemplos a serem citados sobre essas temáticas são as questões sobre o Burnout, a relação entre os meios de comunicação virtuais e o trabalho, a percepção sobre a mulher e seu papel social no século XIX, assim como erotização feminina, escravidão e questão indígena. O próprio tema da redação, relevantíssimo na atualidade, poderia fornecer oportunidades ricas de reflexão ao candidato. A taxa de abstenção também foi menor que a esperada, oportunizando maior oportunidade aos candidatos presentes e democratizando a possibilidade de ingresso no ensino superior.
Apesar disso, há também que se destacar o tamanho dos textos, especialmente nos itens da prova de Linguagens e Códigos, que não seguiram a tendência dos últimos dois anos de redução em extensão. A qualidade dos textos selecionados – verbais e não verbais – foi boa, mas alguns eram densos, o que possivelmente exigiu releitura dos alunos em mais de uma situação. Quanto ao nível de dificuldade, nota-se que a prova 2021 apresentou nível de dificuldade ligeiramente menor que 2020 – aguardemos os microdados para ter uma percepção melhor de como os alunos perceberam, ou não, o mesmo fenômeno.
Destaque também para aumento na extensão dos enunciados, fenômeno incomum desde a aplicação de 2017, que continha em alguns casos até informações adicionais ao texto-base, o que foge ao padrão Enem. Além disso, verificou-se alguns modelos de questões fora do padrão usual, com dois exemplos claros de uso de imagens acessórias para a resolução e informações adicionais desnecessárias ao item. Outro acontecimento relativamente fora do comum – especialmente na recorrência em que se verificou – foi a discrepância na extensão das alternativas em algumas questões, assim como o uso de enunciados interrogativos (e não frases a serem completadas), o que é mais comum nas provas do segundo dia, de Ciências da Natureza e Matemática e suas Tecnologias.
De forma geral, foi uma prova bem-feita, mas que revelou algumas incoerências com tendências de anos anteriores e, especialmente, uma surpresa para aqueles que esperavam uma avaliação menos ideológica e mais conteudista. A partir dela, pode-se esperar um segundo dia que siga a mesma linha – para o bem e para o mal – e apresenta itens mais contextualizados e próximos do cotidiano dos candidatos, enunciados mais relevantes, textos-base ligeiramente mais acessórios e alternativas que não sigam com tamanha inflexibilidade os paralelismos semântico e sintático.
Clara Abrahão, Coordenadora Sênior de Currículo e Avaliação do Sistema de Ensino SAE Digital