Na mira da violência estão as mulheres

Quebre o silêncio, denuncie 180. Foto: Reprodução Ilustrativa Pinterest

A violência doméstica é visivelmente um problema que cresce cada vez mais em nossa sociedade, juntamente com a lista interminável de vítimas de agressões e feminicídios. No entanto é importante apontar que os boletins de ocorrência são apenas um retrato de todo um universo de violação, uma vez que nem todas as mulheres que sofrem com algum tipo de opressão conseguem denunciar ou se tornam notícia.

Nesse sentido, é pertinente observar que existem alguns locais do corpo social, como nas periferias e interior das cidades, que agrupam mulheres que não podem ou não sabem que é possível expor a violência que sofrem por diversos motivos, como aponta Carine Suder Fernandes, psicóloga do CREAS em Guarapuava. A maior parte dos casos que a nossa equipe atende são casos de violência crônica, ou seja, que acontecem a bastante tempo, e que no começo essas mulheres não reconhecem a situação como violência até pela banalização e naturalização da violência no nosso contexto cultural, explica.

Jaqueline de Lara de 28 anos, relata sobre sua trajetória repleta de obstáculos. Até atingir a maior idade morei com meus pais, onde qualquer comportamento fora do padrão era condenado pelos meus familiares. Fui muito oprimida e quando casei meu ex-marido me coagia e deu continuidade aquela vida de silêncio. Nunca denunciei porque acreditava ser culpada e até mesmo quando me separei após uma agressão, fui julgada, conta.

Culpabilizar a vítima, banalizar a violência, medo e dependência combinados com a falta de informação ou atendimentos adequados parecem ser alguns dos motivos que impedem mulheres de denunciar seus agressores, ainda mais se tratando de relações intrafamiliares que podem gerar um maior constrangimento notório de julgamentos. Dando significação, Carine expõe: ao atender as vítimas a ação adequada é suspender qualquer julgamento ou crítica a mulher que possa vir a revitimiza-la, fazendo com que ela se sinta culpada por estar naquela situação de violência, ter empatia no processo de escuta para que ela se sinta acolhida e segura para relatar as coisas que estiverem acontecendo, também é de fundamental importância o respeito pela autonomia dela, procurar não forçar até mesmo a denúncia; as denúncias são importantes até para a responsabilização jurídica do agressor, mas é preciso entender a complexidade dessas atitudes, pois muitas vezes podem colocar a mulher em risco ou em uma situação de vulnerabilidade ainda maior, justamente pelas represálias que ela pode vim a sofrer, elucida a psicóloga.

A violência contra a mulher não é somente física, mas também de natureza psicológica, verbal, patrimonial, moral e sexual. Flavia Cordeiro de 33 anos, tem dois filhos de um relacionamento abusivo e conta que a maior parte dos abusos por parte do ex-companheiro era psicológica e que até hoje não consegue manter uma relação saudável mesmo após a separação. Tento buscar o que está ao meu alcance, terapia e alternativas para superar e viver melhor, pois deixaram sequelas emocionais e hoje me encontro num processo de me reconhecer, já que antes quando casada tudo era em função dele e dos filhos, impossibilitada de tomar decisões era coagida e feita acreditar que não era suficiente, relata.

Os dois casos, de Jaqueline e Flávia, representam um histórico de crescer em cidades do interior e periferia, com pouca informação, muito conservadorismo, casando muito cedo ainda na adolescência e aprendendo que existe o lugar da mulher e o lugar do homem; destaque para o lugar da mulher que era aceitar as decisões do companheiro e naturalizar os maus tratos, não trabalhar e nem estudar para não negligenciar a educação dos filhos. Uma herança avinda do avós que compromete a espontaneidade moldando-as de acordo com os valores patriarcais e familiares.

Dessa forma, a dependência financeira e afetiva também impedem que a mulher consiga se desvencilhar de um relacionamento violento, que possa conter ameaças e proibições que lhe causem medos e violem sua autonomia. É importante o incentivo pela procura de ajuda seja ela de denúncia e/ou apoio psicológico. A violência é um processo complexo e nenhum órgão ou profissional é capaz de dar conta sozinho dessa situação, é preciso essa humildade para acionar a rede e pedir a ajuda dos demais órgãos competentes para colaborar com a mulher para ela superar e romper o ciclo de violência e recomeçar seu projeto de vida, aponta Carine.

É um desafio a ser vencido já que a violência contra a mulher não conhece extrato social, idade, nem região e nem país. É um fenômeno que está nas ruas, no trabalho, escolas e principalmente dentro de casa. O entendimento e empatia seguida da denúncia e investigação, podem indicar o fim desse ciclo de violência e impunidade.

Série de reportagens sobre a violência contra a mulher, confira o editorial e a matéria I