É possível ver o sorriso sarcástico de nossos representantes, comemorando a frase de John Galbraith: … nada é tão admirável em política quanto uma memória curta. Mais lamentável ainda é saber que nossos representantes locais estão amarrados até o pescoço com qualquer coisa a ser feita pelo Governo do Estado ou pelo Governo Federal.
Tudo indica que reputação e escrúpulo estão em baixa na esfera pública, restando-nos a redução da política ao resquício da coerência pessoal. Esta sim precisa ser mantida, apesar de assistir aqui e ali um mercado voraz de compra e venda de personalidades.
O cidadão comum é um verdadeiro herói, pois apesar do que fazem, mantém-se na busca incansável de cuidar bem da família, do trabalho, da vida espiritual e de sua integridade dentro de padrões éticos aceitáveis. Deste modo, se não é possível mudar a realidade, pelo menos vamos dar o bom exemplo e realizarmos um trabalho de fazer com que a memória não seja tão curta e que nossas escolhas considerem o partido do mal menor, que apoia o lado que parece menos ruim, em circunstâncias onde, de fato, não há dois lados.
Clausewitz um dia afirmou, não sem cinismo, que a guerra na verdade não é outra coisa senão a continuação da política através de outros instrumentos. Constatar isto é um martírio. Tão Indigesto quanto assistir o tratoraço do Governo atingindo cidadãos comuns é ter que saber que Bolsonaros existem por aí, disfarçados de homens e mulheres normais e politicamente corretos. Dá nojo saber que nada há por acaso e se este indivíduo chamado de homem faz o que faz é porque tem público fiel e aval voluntário. Triste cena.
Sobre o governo do Estado e este gesto de cobrar a conta de quem não deve, tenho a dizer apenas que o poder não corrompe, mas revela. Não é hoje que sabemos que corromper significa revelar uma natureza oculta e oposta à natureza que sempre existiu.
Diante disso, já decidi o que fazer. Fazer a minha parte, independente do que possa acontecer, pois como escreveu Confúcio, ‘mais vale acender um fósforo do que maldizer a escuridão’. Quero uma nova alforria. Não há mais sentido ficar ou emprestar palavra para aqueles que negociam demais. Estou sem entusiasmo para ficar como está. Estou declinando da máxima: Não há mais entusiasmo, mas sim, o continuar porque não encontrou-se outro jeito de ser. Não vou continuar.
Estou rescindindo contratos sociais e políticos para gozar de algo que não tem preço: fazer do seu jeito, querendo esclarecer muitos para mudar alguma coisa. A vida é muito rápida para manter a preguiça do falar e do fazer. Não podemos dispensar nosso maior atributo que é a imaginação radical.
Não se trata apenas de ver o que está acontecendo ou de se ver paralisado e impotente diante do que fazem de errado ou do que não fazem de certo, mas sim um pouco mais de coragem e autonomia para formular aquilo que ainda não está aí, de ver em qualquer coisa aquilo que não está e que poderia ser um pouco melhor.
Nossa sociedade está exageradamente funcional e funciona bem para interesses que não são nossos. Com raras e honrosas exceções, nos entregamos por muito pouco. O simples fato de ter potencialidade para ter ideias novas, nos credencia para que coloquemos em prática novas representações.
Que possamos nos antecipar e contribuir para soluções individuais ou integradas, desconstruindo a memória curta, não sucumbindo à inação, pois o preço da não execução é elevado demais. Se organização política desejável e aperfeiçoamento de nossas instituições estão mais para uma lenda do que outra coisa, cuidemos mais de nossa integridade pessoal, afinal é com esta que podemos contar.