Violência obstétrica representa 23% das denúncias na Procuradoria da Mulher
A informação é defendida como um dos principais mecanismos para reduzir o grande número casos de violência obstétrica no estado. Só na Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa do Paraná, 23% das denúncias envolvem este tipo de ocorrência, que foi tema de uma Audiência Pública realizada nesta segunda-feira (14) pelo legislativo paranaense.
“É um número altíssimo e se deve ao fato de estarem falando mais, levando à mídia casos que nem sequer as mulheres sabiam se tratar de violência, achavam que era normal. Graças a essa participação ativa da Assembleia, estamos levando a luz a esse problema”, afirmou a deputada Cristina Silvestri (CDN), responsável por comandar a Procuradoria.
Ela foi uma das proponentes da Audiência ao lado da deputada Mabel Canto (PSC) e do deputado Goura (PDT). “Escolhemos debater esse tema tão importante dentro do mês da mulher. Particularmente tenho me dedicado à causa das gestantes e, nos últimos meses, temos recebido muitas denúncias”, comentou Mabel.
Mabel citou a repercussão nacional do caso da influencer Shantal Verdelho durante o parto da filha, conduzido pelo obstetra Renato Kalil. “Vemos que os casos não estão restritos ao atendimento SUS, mas também ao sistema privado”, acrescentou.
O médico ginecologista e obstetra Orlando Silveira Barreto Neto, com mais de 20 anos de experiência, disse ser testemunha viva da violência obstétrica. “Acontece no dia a dia. Não apenas pelo profissional médico, pois contamos com uma equipe multiprofissional que deveria ser um momento impar na vida daquela mãe”, ponderou.
Segundo ele, há muita desinformação em relação ao atendimento materno no serviço público. “Como se aquele serviço fosse gratuito. Isso é uma ilusão, pois somos todos remunerados e temos de atuar da melhor forma possível para atender aquela cliente”, ressaltou,
A vice-presidente da Associação de Doulas de Curitiba e Região Metropolitana, Patrícia Teixeira, pondera que um parto humanizado não significa que ele precise ser à água, no escuro e sim “colocando a mulher como protagonista do seu próprio parto”.
Também na linha de valorizar a importância de informação sobre o tema, Patrícia diz acreditar que quando a mulher entender melhor os seus direitos, as denúncias vão aumentar.
A presidente da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras do Paraná, Marcele Rabelo, alertou que o Paraná é o quarto estado do país em cesarianas desnecessárias. “É um ranking que não precisávamos ter. É necessária uma mudança de filosofia e paradigmas. Se as mulheres têm medo do parto, então vamos dar condições sociais, emocionais e técnicas para ela ser bem atendida e o momento não se tornar um trauma”, disse.
Uma das sugestões foi a criação de uma carta de intenções nas quais a gestante pudesse indicar o que deseja para o parto diante das recomendações clínicas.
O deputado Goura defendeu que a conscientização deve ser uma luta encampada também pelos homens, pois eles seriam os principais autores da violência contra a mulher em geral.
Pandemia – A defensora pública Mariana Martins Nunes, que coordena o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nedem), alertou para o impacto da pandemia no atendimento às gestantes.
“Nós últimos dois anos, houve desvio dos recursos para o atendimento aos pacientes com covid, causando aumento dos casos de violência obstétrica e da mortalidade feminina. Em março de 2020 ocorreu fechamento do serviço em maternidades de Curitiba que eram referência em partos humanizados, provocando superlotação em outras unidades”, contou.
Ela considera que há uma dificuldade do poder público em atender os direitos reprodutivos da mulher e que o número de denúncias é baixo, pois as condutas acabam normalizadas e algumas mulheres não reconhecem como violência.
A representante da Comissão de Estudos Sobre Violência de Gênero da OAB/PR (CEVIGE), Deisy Joppert, alertou exatamente sobre a importância de ampliar o conhecimento sobre o que pode ser considerado violência obstétrica.
“É importante ampliar conceito de violência porque a autonomia da mulher vai por água abaixo quando ela não pode decidir sobre seu parto. Óbvio que ameaçar, xingar, induzir a um parto que a mulher não queria são violências sentidas de forma imediata. Mas não informar os direitos da gestante, as vantagens e desvantagens de cada parto também são casos de violência. Da falta de oferta dos exames necessários até o plano de saúde que demora para internar uma gestante em trabalho de parto pode ser considerado violência”, exemplificou.
Phillipe Fabrício de Mello, advogado e representante da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviço de Saúde no Estado do Paraná (FEHOSPAR) vê necessidade de engajamento do profissional médico com essa discussão. “Saber como pensam essas entidades médicas, porque são os que tomam a interface com as pacientes. Saber o que é possível ser feito e de tratar tecnicamente diante de determinado protocolo”, afirmou.
Legislação – A Assembleia Legislativa já conta com leis sobre a atenção à gestante e contra a violência obstétrica, como a que define punições e multas para os casos comprovados de qualquer tipo de violência obstétrica, seja de forma verbal, física, psicológica e até sexual.
Os deputados também aprovaram a lei que prevê que a melhor modalidade de parto deve ser uma escolha da parturiente, sempre com acompanhamento médico. Vale para as gestantes da rede privada e as do Sistema Único de Saúde (SUS). E recentemente aprovaram projeto que prevê intérpretes de libras no momento do parto.