Svitlana Kryvoruchko, professora de filologia na Universidade Pedagógica Nacional de Kharkiv H. Skovoroda, é mais uma pesquisadora a chegar à Unicentro por meio do Programa de Acolhida aos Cientistas Ucranianos.
A iniciativa do Governo do Paraná, executada por meio da Fundação Araucária e da Superintendência Geral da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti) foi lançada em março deste ano, logo após o início da guerra com a Rússia, com o objetivo de acolher e integrar pesquisadores do país na comunidade paranaense e promover a internacionalização da ciência.
Svitlana contou que já mantinha contato com professores da Unicentro há dois anos, por causa de projetos para expandir as relações entre a sua universidade e a instituição paranaense. Foram esses docentes que, preocupados com a situação da guerra, informaram sobre o edital da Fundação Araucária. Após seleção interna na universidade em Kharkiv, ela inscreveu uma proposta de pesquisa que analisa o fenômeno do patriotismo no século XXI.
Mais especificamente, o projeto trata sobre como ele se manifesta entre os jovens universitários, buscando estabelecer um paralelo entre o contexto atual da Ucrânia e do Brasil. Parte do trabalho envolve a análise de filmes ucranianos produzidos nas últimas décadas e imagens da guerra, que serão apresentados e discutidos com os estudantes.
“Quero discutir o fenômeno do patriotismo, de acordo com o que eles percebem em relação ao seu Estado, que conexão emocional eles têm com seu Estado. Também quero ver a reação dos alunos brasileiros, o que eles sentem sobre o seu Estado e como isso ocorre na condição cosmopolita atual”, explicou.
O projeto foi selecionado para o Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Unicentro, no Câmpus de Irati. A coordenadora do PPGH, professora Nadia Guariza, afirmou que o estudo proposto por Svitlana vem para reforçar os trabalhos que já vêm sendo desenvolvidos.
“Nós temos laboratórios que discutem a questão dos povos eslavos e também outras pesquisas ligadas ao nacionalismo e ao patriotismo. Nós temos uma linha de pesquisa chamada Espaço de Práticas e Relações de Poder, em que a professora Méri Kramer, supervisora da Svitlana, vai oferecer um tópico especial sobre essa temática para os discentes do programa. Além disso, ela também vai desenvolver um trabalho junto ao Centro de Documentação aqui de Irati, porque nós temos um acervo muito vasto do jornal de Prudentópolis que foi publicado em ucraniano, o ‘Prácia’”.
Publicado em Prudentópolis desde 1904, o jornal “Prácia” só deixou de circular na cidade durante um breve período da Segunda Guerra Mundial, quando o governo federal proibiu publicações estrangeiras no Brasil. A publicação também é um dos objetos da pesquisa que está sendo desenvolvida por Yurii Kovbasko, cientista ucraniano que chegou à Unicentro ainda em agosto, selecionado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Unicentro, no Câmpus Santa Cruz.
Yurii é professor de filologia na Universidade Vasyl Stefanyk Precarpathian, em Ivano-Frankivsk. Ele tomou conhecimento do edital da Fundação Araucária por meio do Departamento de Relações Internacionais da universidade e achou que seria uma grande oportunidade vir para o Brasil. A pesquisa que ele irá desenvolver, sob a supervisão da professora Luciane Baretta, envolve a coleta e análise de dados linguísticos do ucraniano das comunidades formadas por imigrantes que vieram ao Paraná.
“O ucraniano brasileiro é um fenômeno distinto que preserva muito das peculiaridades linguísticas do ucraniano anterior às grandes guerras, com características lexicais, gramaticais e fonológicas únicas. Então, o principal objetivo da pesquisa é compilar um conjunto de dados que contenham romances, poemas, diários, textos religiosos, receitas, cartas, arquivos, ou seja, qualquer coisa que tenha sido escrita em ucraniano por pessoas que vieram para o Brasil”.
A coordenadora do PPGL, professora Maria Cleci Venturini, ressalta a importância estratégica da pesquisa de Yurii, considerando o contexto regional em que a Unicentro está inserida.
“A nossa região é uma região de imigração de ucranianos e o nosso programa também tem que atender às questões da comunidade e às características da nossa região. Por mais que nós tenhamos muitos ucranianos no Brasil, quando você chega no país falante nativo é muito diferente do que falam aqui, porque tem toda uma mudança de cultura. Então é uma pesquisa bem oportuna”.
Apesar de serem realizados em câmpus e programas de pós-graduação distintos, a tendência é que os trabalhos dos dois pesquisadores encontrem convergências, assim como também sejam integrados em atividades de ensino e extensão.
O coordenador do projeto na Unicentro, professor Clodogil dos Santos, será o orientador extensionista de ambos, no projeto chamado “Ações de fortalecimento da identidade cultural ucraniana no cenário paranaense”, que tem como primeiro objetivo compartilhar a experiência de Svitlana e Yurii sobre diferentes aspectos da vida na Ucrânia com a comunidade local.
Segundo Clodogil, eles também vão ser fundamentais para a consolidação do processo de internacionalização da universidade.
“Especialmente no contexto paranaense, que está inserido dentro de comunidades eslavas. Além disso, a presença deles aqui vai nos possibilitar colocar para frente alguns projetos, como o curso de Letras Português-Ucraniano, que é um projeto que está em andamento, está em construção, mas que nós precisamos de parceiros internacionais para poder termos as aulas relacionadas com a língua ucraniana. Estreitar esses laços de colaboração entre as universidades aqui no Brasil e lá na Ucrânia vai possibilitar, futuramente, a mobilidade docente e discente. Como eles estão vindo pra cá agora, depois que essa situação nefasta se resolver, a gente também vai poder ir pra lá, conhecer a realidade deles”, destacou.
O reitor da Unicentro, professor Fábio Hernandes, enfatiza que a chegada dos dois cientistas ucranianos reforça esse movimento de internacionalização e permite incrementar projetos já em andamento na instituição.
“Para Unicentro é muito gratificante recebê-los e ter essa interação com a pesquisa ucraniana, com a pesquisa do leste europeu, haja vista que nós temos no Câmpus de Irati um Núcleo de Estudos Eslavos, então eles vem agregar ainda mais conhecimento. Além de trazer essa interação, essa parceria com a Unicentro, com o nosso país, também é importante acolher esses pesquisadores que, com certeza, fazem a diferença lá no seu país, mas que estão passando por esse momento tão difícil”, avaliou
Programa Paranaense de Acolhida a Cientistas Ucranianos
O programa do governo do estado tem um orçamento global de R$ 18 milhões. Os cientistas ucranianos que possuem mais de cinco anos de experiência em pesquisa receberão uma bolsa mensal de R$ 10 mil, enquanto que os demais recebem R$ 5,5 mil por mês. O pagamento é feito durante dois anos de contrato. Os que vêm ao estado acompanhados por dependentes abaixo de 18 anos ou ascendentes acima de 60 anos também recebem um complemento de R$ 1 mil por pessoa, em um máximo de três adicionais por pesquisador selecionado.
Além de Svtilana e Yurii na Unicentro, já chegaram ao Paraná outros cinco pesquisadores, que foram acolhidos pelas universidades Estadual de Londrina (UEL), Estadual do Oeste (Unioeste) e Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), além do Instituto Federal do Paraná (IFPR) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC).
No total, 16 inscritos no programa já tiveram seus planos de trabalho aprovados para integrar o projeto em universidades no Estado. Eles desenvolvem pesquisas nas áreas da educação, tecnologia da informação e comunicação, saúde, política criminal, energias renováveis, engenharia elétrica, economia, história, dentre outras.
Eliane Segati Rios, assessora Internacional da Fundação Araucária, está à frente do projeto e destaca que a vinda dos pesquisadores ucranianos tem causado um impacto muito positivo no Estado.
“Não só na esfera acadêmica, científica, mas também social, cultural e educacional como um todo. O processo de acolhimento no recebimento dos cientistas ucranianos reafirma nosso respeito à ciência de alto impacto daquele país, em todas as áreas do conhecimento. São pesquisadores de alto nível e que agora estão integrados em nossas universidades paranaenses, com ações de colaboração conjunta, fortalecendo mais ainda os nossos programas de pós-graduação em nível internacional”, explicou.
Ela reforça ainda o trabalho para tornar a adaptação ao novo país a melhor possível, com o auxílio de uma equipe de profissionais dedicados a isso. “Além de propiciar a continuidade de suas pesquisas em um ambiente seguro, há integração em nossa comunidade paranaense por meio das trocas sociais, culturais e linguísticas.
No meio acadêmico-científico, garantimos em nossas universidades espaços adequados e equipados para as pesquisas. De igual maneira, damos suporte aqueles que vieram com seus familiares, garantindo também a continuidade dos estudos de seus filhos. Para nós, é um privilégio poder acompanhar todas essas ações, na certeza de que é apenas o primeiro passo para uma longa parceria entre o estado do Paraná e Ucrânia”, conclui.
Relatos da Guerra na Ucrânia
A cidade de Yurii e sua família, Ivano-Frankivsk, fica na região oeste da Ucrânia. Ele relata que, no dia 24 de fevereiro, eles foram acordados por uma grande explosão, seguida de outros sons similares. “Então nós vimos pela janela uma longa coluna de fumaça preta, na direção do aeroporto da cidade. Nós ficamos com medo e fomos checar se nossos familiares e amigos estavam bem. Estávamos totalmente frustrados e quebrados, passávamos o dia todo assistindo às notícias”, conou..
A rotina voltou, mas agora modificada pela guerra. Alertas interrompiam as aulas, agora online, para que as pessoas procurassem um abrigo antibomba ou qualquer lugar seguro. As novas atividades incluíam, como diz o pesquisador, “voluntariar-se para ajudar refugiados civis de todas as regiões, ou cursos de primeiros socorros militares ou para manusear uma arma. De qualquer forma, nossa região era muito mais segura que cidades no sul ou no leste da Ucrânia”, complementou.
Kharkiv, onde mora Svitlana, é uma dessas cidades, estando a apenas 30 km da fronteira com a Rússia, ponto estratégico na região com mais de 1,4 milhões de habitantes. A cientista conta que sentia na pele o efeito dos ataques, já que vários alvos dos bombardeios russos ficavam próximos ao seu apartamento. “Eu tremia como as paredes da minha casa. É uma sensação muito difícil de imaginar que você pode romper em pedaços assim como um prédio”, afirmou.
A professora relata que as aulas foram interrompidas logo no primeiro mês da guerra, mas que ela, como cientista, continuou a trabalhar, no intervalo dos estrondos. Diz ainda que tentavam ajudar os alunos com comida, aquecimento, lugar para morar, que buscavam se ajudar para sobreviver. Em maio, as aulas retornaram de forma remota, com muitos estudantes acompanhando as disciplinas em abrigos.
“A nossa universidade foi destruída pelas bombas. Os nossos estudantes, alguns estão em Kharkiv, alguns fora do país, mas todos querem voltar com um espírito de renovação. Essa guerra fez todos entenderem o quanto eles amam o país deles. Eu só quero que tudo isso acabe”, desabafou.