“Surdos são estrangeiros na própria pátria”, diz intérprete da Libras
Uma atuação divertida e sensível rendeu ao norte-americano Troy Kotsur a estatueta de melhor ator coadjuvante no Oscar 2022 pelo desempenho no filme ‘CODA – No ritmo do coração’. A premiação fez dele o primeiro homem surdo a ser aclamado pela Academia de Hollywood e deu à cultura surda um destaque inédito – além de um momento de reflexão para algumas questões envolvendo a visibilidade dessa comunidade.
Garantir a acessibilidade, inclusão e participação em todos atos da vida pessoal, social e cidadã é o anseio de 10 milhões de pessoas surdas somente no Brasil (Censo 2010), sendo que 2,7 milhões não ouvem nada.
“A comunidade surda é segregada dentro do seu próprio país, é como se fossem estrangeiros em sua própria pátria”, compara a tradutora e interprete Libras (Língua Brasileira de Sinais), Lígia Klein. Com mais de dez anos de experiência, desde 2019 ela integra o grupo que atua durante as transmissões das sessões plenárias da Assembleia Legislativa do Paraná.
O processo legislativo é traduzido na TV Assembleia e demais canais de comunicação em Libras. A língua completa 20 anos de reconhecimento como meio legal de comunicação e expressão dos surdos no próximo dia 24 de abril, graças à lei federal 10.436/2002. Aqui no Paraná, a data é comemorada no mesmo dia pela lei 16.596 de 2010.
“Apesar de ser uma lei já reconhecida, ainda há muitos entraves. Mas a Assembleia Legislativa tem exercido o seu papel fazendo com que a comunidade surda tenha acesso a essas informações e a tudo que se discute nesta casa de leis. Isso é muito importante, mas infelizmente não ocorre em todas as esferas”, acrescentou Lígia.
A iniciativa faz parte de um convênio firmado entre a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis) e a Mesa Executiva da Assembleia, permitindo que pessoas com deficiência auditiva possam acompanhar os atos legislativos.
Para o presidente Ademar Traiano (PSD), é mais uma iniciativa da Assembleia para abrir suas portas, praticar a inclusão e permitir o acesso aos debates da Casa a todos os cidadãos. “Estamos promovendo cidadania com as transmissões em Libras, permitindo que pessoas com deficiência auditiva possam acompanhar e fiscalizar o trabalho dos deputados estaduais”, afirmou o primeiro-secretário da Assembleia, deputado Luiz Claudio Romanelli (PSD).
Segundo o Relatório Mundial da Audição da Organização Mundial da Saúde (OMS), 1,5 bilhão de pessoas têm algum grau de perda auditiva (surdez), em todo o mundo. Os dados, divulgados em março de 2021 são os mais recentes sobre a população mundial com algum tipo de deficiência auditiva. Este quadro pode piorar até 2050, quando mais de 900 milhões de pessoas deverão registrar perda de audição.
Uma imensa legião que ganhou uma representação de gala. Em seu discurso na língua de sinais americana (ASL, em inglês) ao receber a estatueta, Troy Kotsur dedicou o prêmio à comunidade de déficit auditivo, à comunidade CODA (‘Child of deaf adult’, ou ‘filho de adulto surdo’) e à comunidade de pessoas portadoras de deficiência. “Este é o nosso momento”.