Sem limites e sem regras: os desafios da permissividade parental
Vivemos em um tempo de muitos conflitos na educação, na política, nas famílias, nas relações e nos pensamentos. Há alguns anos atrás, a lei e as regras eram voltados para todos. Todos as seguiam sem ao menos cogitar um caminho diferente do que era estabelecido pela sociedade e considerado como correto. Se eu, quando criança, quebrasse o vidro da janela do meu vizinho com uma pedrada, ele poderia chamar a minha atenção e meu pai ou minha mãe, certamente, me dariam um castigo. Já o custo do conserto, com certeza sairia da minha mesada.
Agora, se eu fosse criança nos dias de hoje e quebrasse o vidro da janela do meu vizinho, ele não poderia chamar a minha atenção, pois isso poderia ser motivação para um processo de danos morais. Certamente, meus pais não achariam positivo uma pessoa estranha falando de forma severa comigo e, ainda, pensariam na possibilidade de não pagar o vidro quebrado, pois haveria uma justificativa para tal.
Nesse cenário hipotético, percebemos uma mudança de paradigma, uma transformação que impacta diretamente o comportamento e o desenvolvimento das crianças dentro do ambiente escolar. A permissividade dos pais diante das situações do cotidiano na escola e em casa geram no estudante uma visão de mundo deturpada e que dificilmente pode ser alterada.
Dentro de casa, precisamos lembrar que as regras existem, mas que transitam entre dois polos: os posicionamentos da mãe e os do pai. Com rotinas atribuladas, é raro que ambos se reúnam para definir o ponto em comum, o lado a ser seguido. Assim, a criança, com sua capacidade perceptiva de analisar os posicionamentos dos adultos e a relação entre os membros da família, determina individualmente uma forma de funcionamento que se complica em demasia quando passa a conviver socialmente em outros ambientes e, principalmente, na escola, que é o primeiro núcleo frequentado depois da família.
No ambiente escolar, o sofrimento dessa criança que chega sem freios para o convívio social é imenso, pois ela se depara com um espaço delimitador, com outros seres humanos empoderados assim como ela e com adultos que não aceitam certos comportamentos. Esse choque gera sofrimento e estresse, inclusive, para os que trabalham na linha de frente: os professores e todos os profissionais da educação. Afinal, na escola, do porteiro ao cozinheiro, todos educam.
Ao se deparar com o primeiro meio social, sem os pais presentes, o estudante pode ter dificuldade e, até mesmo, gerar uma repulsa em relação a regras, ao correto, à prática da empatia e a inúmeras outras situações. Por isso, se faz necessário que adultos que têm crianças em casa eduquem esses indivíduos para conviver com regras e como parte de uma sociedade regrada.
Não é possível educar um ser humano aos quatro anos. A educação é feita no cotidiano, desde o seu nascimento, estabelecendo pequenas normas como, por exemplo, horários de mamadas, horários de sono e diálogo frequente, mesmo sem resposta nos primeiros anos. Os pais precisam ter compreensão de que aquele bebê está formando sua personalidade e sua maneira de ver o mundo desde seu primeiro dia de vida.
Precisamos relembrar a máxima de que a escola não educa, quem educa é a família. O plantio da boa educação envolve inúmeros fatores, sentimentos, sensações e, principalmente, conquistas. Mas até lá, muitas vezes, a jornada da educação pode doer tanto para quem educa quanto para quem está sendo educado. Por esse motivo, muitos deixam de educar e perdem a oportunidade preciosa de contribuir para uma transformação real nas novas gerações.
A educação se dá, em grande parte do tempo, pelo exemplo. Nós somos os adultos e é nossa a responsabilidade de educar com palavras e com ações. As cobranças, as regras e as exigências fazem parte do processo educativo. Independentemente da idade, as crianças têm, desde cedo, uma capacidade enorme de absorção de informações e de entendimento. É assim que vemos frequentemente crianças pequenas reproduzindo as atitudes dos pais com extrema fidelidade.
Seja na escola, em consultas com especialistas de fora ou em qualquer instituição séria que preze pela educação, é importante que os pais tenham uma voz experiente para auxiliá-los na educação dos filhos. Ao nascer em um terreno fértil e amplo para aprendizagens, as crianças têm suas capacidades potencializadas e estimuladas adequadamente. Vale sempre lembrar que o plantio está intimamente ligado à colheita. O que for plantado na vida da criança, ela irá colher e a sociedade como um todo também.
Esther Cristina Pereira é pedagoga, psicopedagoga, professora, conselheira da Escola Atuação e diretora da FENEP (Federação Nacional das Escolas Particulares).