Cooperativas reclamam das dificuldades na compra da alimentação escolar pelo estado
Nos últimos anos, o governo do estado vem reduzindo a aquisição de alimentos da agricultura familiar para a alimentação escolar. De acordo com as normas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), pelo menos 30% da merenda escolar comprada com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) deve ser proveniente dos cultivos da agricultura familiar, camponesa e daqueles produzidos também em comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas e faxinalenses.
Mas ano a ano uma série de entraves dificultam a execução dessa política pública que é essencial à segurança alimentar e nutricional nas escolas e que deveria incentivar este segmento produtivo, seja pela redução dos valores destinados à compra, por atrasos na burocracia desses processos, seja pela falta de reajuste nos preços pagos, que não acompanham a inflação e o aumento nos custos de produção, seja pela redução dos produtos, ítens e das quantidades adquiridas pelo governo.
Nesta quinta-feira (16), os deputados estaduais Luciana Rafagnin e Tadeu Veneri, ambos do PT, reuniram, em modo remoto, via plataforma de streaming, representantes das cooperativas da agricultura familiar e da reforma agrária que têm contrato com o governo do estado – por meio do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional – Fundepar e da secretaria da Educação e do Esporte (SEED) – para fornecimento de produtos à alimentação nas escolas das diversas regiões do estado. O objetivo desse encontro foi ouvir os relatos dos representantes das famílias produtoras e estabelecer uma pauta comum de negociação com o governo estadual.
Preocupação com o futuro
Muitos dos problemas que vêm sendo verificados podem se repetir no ano que vem, uma vez que deve-se concluir nos próximos meses a proposta do edital dessa compra institucional para 2022, com vistas à tramitação da lei de diretrizes orçamentárias (LDO). Por isso, outra preocupação das cooperativas é com relação ao funcionamento do programa no ano que vem.
“A cada ano, é uma caixinha de surpresa diferente”, reclamam. Para Jean Carlos Pereira, dirigente da Cooperativa Central da Reforma Agrária (CCA), “se não nos preocuparmos agora com o aporte de recursos ao programa em 2022 e discutirmos com o conjunto do governo, corremos o risco de amargar mais prejuízos e vermos essas medidas inviabilizarem cada vez mais a permanência das famílias na produção de alimentos”, disse.
A inflação e a alta nos custos de produção são fatores que precisam ser reavaliados nessa negociação sobre o futuro do programa no estado. O dirigente da Cooperativa de Produção, Comercialização e Agroindustrialização Agroecológica União Familiar (Coprauf), de Ortigueira, Evandro Goncalves, citou alguns exemplos da situação enfrentada pelas famílias cooperadas que atendem cerca de 52 escolas na área de abrangência de cinco municípios daquele núcleo regional.
“A cooperativa investiu em organizar toda uma logística de entrega. Mas são percorridos cerca de 120 quilômetros em estrada de chão para entregar 21kg de produtos e, de agosto para cá, a redução foi em torno de 30%, o que acaba desanimando os agricultores”, disse.
“O valor pago não cobre o diesel e a diária do motorista. O caso do grupo dos panificados é bem emblemático: tínhamos dez iniciativas pequenas de agroindústrias familiares para produção de pães, bolos e bolachas e, com a diminuição das compras do PNAE, muitas acabaram desistindo. O programa reajustou de R$ 15,00 para R$ 15,22 o valor da cuca bolo simples de um ano para outro e esse acréscimo de 22 centavos não acompanha a alta nos custos da farinha de trigo, do açúcar, do gás de cozinha e do óleo de soja, entre outros ingredientes”, completou o dirigente da Coprauf.
É contraditória ainda a retirada de itens como mel e bolachas, entre outros alimentos da agricultura familiar de alguns processos, quando, até pela afinidade cultural e pela realidade dessas escolas – a maioria delas situadas no meio rural -, a aceitação do produto da agricultura familiar tende a ser melhor entre a comunidade escolar que a dos industrializados por grandes empresas e redes atacadistas, que estão largamente ocupando espaços nas compras institucionais.
A garantia de 30% de acréscimo no preço dos produtos orgânicos certificados também não é uma realidade no PNAE paranaense e essa crítica apareceu muito forte na reunião dos deputados com as cooperativas. Não remunera e nem valoriza quem já investiu na conversão das lavouras convencionais para orgânicas e agroecológicas, muito menos incentiva quem está em processo de conversão. Faz com que o próprio poder público dificulte o alcance da meta prevista em lei de 100% da merenda escolar da rede pública no Paraná ser orgânica.
Pedágio encarece
O coordenador administrativo da Associação dos Produtores Orgânicos da Região de Londrina (Apol), Valdemir José Batista, lembrou que, além dos demais aumentos nos custos da produção, é preciso pensar em alternativas às cooperativas da agricultura familiar que fornecem alimento ao PNAE com relação ao pedágio. Ele contou que a cooperativa fica a cerca de 20 km da praça de pedágio de Jataizinho, que pratica uma das tarifas mais caras do país.
“É preciso pensar em uma forma de isentar ou de cadastrar as cooperativas do PNAE para a redução de mais esse custo, não previsto na definição dos preços pagos pelo programa”, assinalou. Nessa praça em questão, um caminhão do mesmo modelo que a associação se utiliza paga R$ 43,00 a cada passagem no local.
Entre outros pontos mencionados para a abertura de diálogo com o governo do estado sobre o funcionamento do PNAE estão o aumento dos limites por DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf) dos itens e produtos entregues. Hoje, cada agricultor pode entregar, no máximo, R$ 20 mil em produtos para o programa da Alimentação Escolar. “Além do governo estadual precisar aportar mais recursos no programa, ele também pode ter uma postura mais firme na pressão e cobrança junto ao governo federal para aumentar os investimentos”, disse Jean Carlo, da CCA-PR.
A reunião provocada pelos dois deputados com as cooperativas do PNAE apontou como um dos principais encaminhamentos a necessidade de uma audiência para discutir o tema diretamente com o governador Ratinho Júnior (PSD). Nos próximos dias, por conta da crise hídrica e do socorro emergencial ao segmento produtivo, já está agendada uma conversa de entidades que representam a agricultura familiar e camponesa no estado com o secretário da Agricultura e do Abastecimento (Seab-PR), Norberto Ortigara.
“Nosso país é o terceiro maior produtor mundial de alimentos e os sucessivos desmontes e retrocessos resultam em uma população de 19 milhões de pessoas passando fome, o que é ainda mais dramático no meio de uma pandemia. A segurança alimentar e nutricional e a valorização da agricultura familiar são de extrema urgência e necessidade neste momento”, disse a deputada Luciana, líder do Bloco Parlamentar da Agricultura Familiar na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep).
Para o deputado Tadeu Veneri, que preside a Comissão de Direitos Humanos da Alep, há uma desatenção muito grande dos governos com essa pauta e isso é um contrassenso diante da enorme crise estrutural que vivemos. “Já estamos vindo de uma luta no enfrentamento da crise de alimentos, que era muito forte e deve se acentuar com toda essa desatenção”, disse Tadeu. “Quem pode responder a isso é a agricultura familiar e não o agronegócio, beneficiado, assim como as grandes corporações, com isenções fiscais e políticas de apoio”, finalizou.