Houveram tempos em que times brasileiros conseguiam jogar de igual para igual quando encontravam suas contrapartes internacionais. E esse tempo nem é lá tão distante assim.
Na década de 1990, o São Paulo de Telê Santana ganhou dois Mundiais com vitórias mais do que honestas sobre o Barcelona em 1992, por 2 a 1; e sobre o Milan em 1993, com placar de 3 a 2. Foram jogos em que os times jogaram páreo a páreo, com os dois lados criando chances em espetáculos de encher os olhos.
Esses times são-paulinos estavam recheados com jogadores que posteriormente iriam levantar a Copa do Mundo de 1994 para o Brasil pelo tetracampeonato da Seleção, como Cafu, Leonardo e Ronaldão. De fato, eram outros tempos.
Já ali, não era incomum ver os nossos atletas tentando a sorte em solo europeu. Astros como Romário e Bebeto foram dar suas voltas pelo Velho Continente em busca por sucesso no campo e um retorno financeiro que os clubes brasileiros prometiam dar, mas nunca cumpriam. Entretanto, eles acabaram retornando ao Brasil apesar do sucesso lá fora – talvez por saudades, insatisfação ou uma combinação de vários fatores.
Fonte: Bebeto Pretoria 2010 por Marcello Casal Jr. (CC BY 3.0 br)
Isso não mais acontece por aqui. Desde o fim da década de 1990, o fluxo de jogadores tem sido um só: do Brasil à Europa, e muitas vezes sem retorno.
É claro que encontramos algumas exceções. Alguns grandes astros como Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo, jogadores tão icônicos que são encontrados em formas diversas pelo mundo como grafittis e até em caça níquel da Betfair, voltaram ao país para gastar suas últimas milhas futebolísticas nos campos daqui. Porém, essa não é a regra.
No caso desses astros, eles fizeram seu nome lá fora, se tornando grandes estrelas e ganhando bastante dinheiro para atingir a independência que os permitiram tomar tal decisão. Há também um nível de identificação elevado entre os Ronaldos e o Brasil, para além dos clubes que eles representaram, graças aos títulos que eles ganharam pela seleção brasileira e suas glórias individuais como os prêmios de Melhor do Mundo da FIFA.
Porém, ambos são também atletas da década de 1990. Os que vieram posteriormente, nos anos 2000 e 2010, já não carregam os mesmos planos e nem o mesmo apreço pelos clubes daqui.
Fonte: Ronaldo und Ronaldinho als Graffiti in Kreuzberg por Morgenstar (CC BY-SA 3.0)
Algo a se notar é como os jogadores tem saído cada vez mais cedo do Brasil para a Europa. É o caso de Vinícius Júnior e Rodrygo, respectivamente ex-talentos do Flamengo e do Santos. Já antes de completarem 18 anos, ambos já estavam compromissados a realizarem suas transferências para o gigante espanhol Real Madrid por quantias vultuosas de dinheiro.
Por conta do grande retorno financeiro, alguns podem falar que a venda valeu mais do que a pena. Mas este nem sempre é o caso, ainda mais quando os clubes tem situação financeira muito mais vulnerável que um Flamengo.
É de se pensar que o caso da ida precoce à Europa tem a ver com condições internas e externas. Internamente, a economia brasileira tem perdido cada vez mais força, e seus clubes sofrem quando os torcedores não mais têm recursos extra para gastarem em coisas além da sua cesta básica como entretenimento. Ainda que os contratos de futebol têm ficado cada vez mais polpudos, os custos também tem subido e a receita de outras origens não seguem a tendência ou simplesmente declina.
Essa situação força o clube a se colocar em situações precárias quando quer negociar novos contratos ou a venda de um jogador. É por essas e outras que vemos atletas nas categorias de base muitas vezes com seus direitos repartidos entre vários investidores, que usaram da vulnerabilidade do clube para o próprio interesse.
Fonte: Rodrygo – Libertadores por autor desconhecido (CC BY-SA 4.0)
O próprio jogador também vê o pulo para a Europa como a culminação da sua carreira. Ele por si já é um vencedor, tendo chegado entre as cabeças nas corridas que envolvem milhares, quiçá milhões de jovens brasileiros que buscam a melhora de suas vidas pelo futebol. Quanto mais cedo o pulo for feito, mais cedo também ele traduz seu talento em retorno financeiro para tirar ele e a família de situações longe de ideais.
Externamente, os clubes europeus tem melhorado cada vez mais suas ferramentas de observação de jogadores. Graças aos avanços tecnológicos, é possível ter cada vez mais ângulos diferentes de análise da performance do jogador dentro das quatro linhas.
Quando um talento acima da média é encontrado pelo olheiro ou por algum dos complexos sistemas de observação de jogadores que os clubes mais avançados do Velho Continente lançam mão, eles não terão medo de levar o jogador para a Europa. E quanto mais cedo eles identificarem o talento e fazerem a oferta, melhor, pois daí a concorrência já não é tão grande.
E assim o futebol brasileiro acaba ficando com a rebarba da insana busca por talentos que a Europa emprega. Não é por nada que o nosso futebol tem apresentado qualidade cada vez mais diminuta, mesmo com os times brasileiros finalmente aprendendo a observar o resto da América Latina como fonte de bons jogadores.