Maria, entre tantas, sinônimo de abnegação

Olá, me chame de Maria!

Eu sou a Maria, a mãe do Zé que você conhece como “Zé da Pedra”.

Eu sou o “ela” na conjugação do verbo sofrer

Mas ele nem sempre foi o Zé da Pedra. Ela já foi o José, um menino atencioso, amoroso, camarada, sorridente e muito feliz. Tenho na minha lembrança seus olhinhos, quando criança, me olhando com muito amor, brincando comigo. Ainda ouço sua voz, às vezes, e me surpreendo procurando de onde vem: mamãe!! mamãe!!!

Você não imagina o quanto era gostoso nesse tempo. Mas eu nem me dava conta. Era tudo tão normal. Eu era feliz e não sabia.

Briguei algumas vezes com o Zé por causa das companhias dele. Mas ele vinha com aquele sorriso, me abraçava, dizia que estava tudo bem e eu sucumbia. Verdade. Me derretia toda por aquele garoto. Nunca imaginei que estaria passando pelo que passo hoje.

Virei a Maria, mãe do Zé da Pedra. Já fui outra Maria. Também tinha meus momentos de felicidade. Buscava o Zé na escola e me sentia a melhor pessoa do mundo por pegar naquela mão e saber que estava conduzindo pela vida um outro ser, que dependia totalmente de mim. Era eu quem tinha que lhe mostrar o caminho.

E é quando penso nisso que me pergunto: onde foi que eu errei?

Onde foi que eu errei? Me responda você, porque eu não consigo mais imaginar. Dei amor, dei carinho, dei coisas materiais e outras nem tanto. Briguei. Disse não porque me disseram que dizer “não” é bom para o desenvolvimento dos filhos da gente.

Mas creio não ter dito “não” com tanta ênfase e tantas vezes quanto necessário. O próprio Zé me disse um dia, entre uma crise de abstinência e outra, que eu deveria ter dito “não” mais vezes prá ele. Será? Então sou eu a culpada pelo que meu filho vive hoje?

Eu sei que não. Psicólogos, psiquiatras, policiais, outras mães, grupos de apoio já me disseram que eu não posso me culpar pelo que acontece com o Zé hoje. A gente conduz os filhos da gente até um determinado momento da vida. A partir dali (a gente nunca sabe quando) eles escolhem seus próprios caminhos.

Mas eu ainda me questiono. E, nas noites que passo sem dormir, fico pensando nisso. E acho que até posso sentir a dor que ele sente quando está sem a droga. O prazer, não. Nunca imaginei qual seria o prazer em consumir esse maldito veneno. Me pego com Deus. Eu pequei? O que fiz prá merecer isso? Então volta tudo de novo e procuro pensar que não sou e7u. É o Zé. Não sou culpada. Nem ele. Foi um erro. Sem volta. Sem uma segunda chance. Não há segunda chance nesse caso de drogas. Uma vez abraçada a ela, nunca mais!

Por isso, enquanto o Zé conjuga o verbo “eu sofro”, eu também deveria conjugar a primeira pessoa do indicativo. Eu sofro. Mas o Zé pediu para que eu contasse a história através dele. Então eu sou a terceira pessoa do singular: ela sofre.

Fala o Zé, agora.

– Ela sofre. Minha mãe sofre. Eu sei que ela sofre. Tenta compreender porque saio e volto para os braços da droga. Mas nem eu compreendo porque isso acontece. Talvez seja a dor, porque como disse, não sinto mais prazer. A droga apenas ameniza a minha dor.

Por isso, mamãe não consegue compreender o que se passa na minha cabeça nem no meu organismo. E quando roubo, agrido, brigo, por causa da droga, não sou eu. É a dor!

Não me abandone, mãe! Não me abandone. Eu sempre ouço a voz dela e é isso que me dá algum consolo.

– Zé, estou aqui, Zé. Volta comigo. Eu preciso de você!

Então, voltando um pouco no passado prá entender o presente. É a Maria falando de novo.

Você pode perguntar: e o pai do Zé, onde anda?

O pai do Zé foi embora. Disse que não suportava ver o filho do jeito que estava e decidiu sumir. Achei covardia por parte dele. Um pai não deveria abandonar um filho em dificuldades, não acha? Pois ele foi embora. No começo era outra coisa que me pesava na consciência: eu perdi o filho e o marido, não soube segurar nenhum dos dois.

Depois cheguei à conclusão que ele foi, de verdade, um covarde. Abandonou o barco na primeira dificuldade. Não fui eu a culpada, não. Se há algum culpado – na separação – é ele, que não teve “peito” prá segurar a barra.

Foi embora. Foi tarde!

Então fiquei sozinha. Quando o Zé tem crises saio procurar por ele de dia, de noite, de madrugada. Já perdi alguns empregos por causa disso. Às vezes, prá procurar o Zé, não vou trabalhar. Por isso deixei de lado meu diploma de direito e sabe o que faço agora? Sou vendedora. Posso fazer o meu próprio horário, não preciso bater ponto. Os dias que perco correndo os mocós da cidade (ou as delegacias de polícia) prá encontrar o meu garoto, recupero depois trabalhando em dobro. Meu chefe nem sabe, só vê o resultado do trabalho e, modéstia a parte, sempre fui boa no que fazia.

Ela sofre, como diz o Zé.

Eu sofro, digo eu.

Mas é maravilhoso quando recupero meu menino, abraço ele, encho de beijos e entre uma névoa de desconhecimento ele me chama: mamãe. Mamãe, é você?

Vamos para casa abraçados. Talvez mais um período de descanso. Outra clínica. Outra tentativa.

Mas eu sei que, a qualquer momento, vou receber um telefonema dizendo que o Zé sumiu de novo.

Zé, volta prá mim!

Em algum lugar eu sei que ele implora:

Mamãe, não me abandone!

  • Texto: João Alceu Julio Ribeiro

(na terceira reportagem da série você vai acompanhar depoimentos de outros dependentes químicos. Pessoas que conhecem o Zé da Pedra e passam pelos mesmos problemas. É a primeira pessoa do plural, presente do indicativo do verbo sofrer. Nós sofremos!)

Quer ler o primeiro depoimento da série? clique aqui