O uso do dinheiro público contra o motor da economia

A Itaipu Binacional sempre foi um orgulho nacional. A hidrelétrica, que completou 50 anos de sua fundação e 40 anos de produção em 2024, é referência mundial na geração de energia limpa e renovável. Assim como eu, milhões de brasileiros têm orgulho deste símbolo de produtividade aliada à gestão ambiental, que integra dois países (Brasil e Paraguai).

Apesar das credenciais, nos últimos anos, tem faltado gestão eficiente e responsável dos recursos financeiros da Itaipu. Ainda mais por ser tratar de dinheiro público, os milhões de reais obtidos da produção e venda de energia deveriam ser investidos em prol da sociedade, inclusive com a redução das tarifas na conta de luz.

Ao contrário, o que temos visto é o uso descontrolado e sem transparência, inclusive contra o setor agropecuário brasileiro, considerado o principal motor da economia do país, que gera empregos, renda, desenvolvimento e segura a balança comercial há mais de uma década.

Um exemplo recente é a decisão do Conselho de Administração da Itaipu de usar R$ 240 milhões para a compra de terras agricultáveis na região Oeste do Paraná para destinar a comunidades indígenas. Inclusive, essa decisão atropela o Marco Temporal, que ratifica que as demarcações de terras indígenas devem ser limitadas à data da promulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988).

Os exemplos de descaso com o dinheiro público não param por aí. A Itaipu destinou R$ 752 milhões para obras da Universidade Federal de Integração Latino-Americana (Unila), conforme revelou matéria do jornal “O Estado de S. Paulo”. Certamente, investir em educação é fundamental. Mas, neste caso, essa não é a atividade-fim da empresa.

Esse uso descontrolado do dinheiro da Itaipu não está se transformando em benefícios para consumidores residenciais e comerciais. Estudo recente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia aponta que os cidadãos de dez Estados e do Distrito Federal pagaram quase o dobro do valor considerado justo pela energia gerada pela hidrelétrica. Isso porque, desde a posse de Enio Verri como diretor-geral, em março de 2023, a Itaipu firmou mais de 120 convênios, somando R$ 2 bilhões em repasses.

Diante dos exemplos citados, está claro que a Itaipu está sendo usada como instrumento político. Os recursos financeiros estão sendo gastos de forma indevida e sem transparência. O ideal seria usar os milhões de reais mencionados acima para reduzir a tarifa de energia da população. Isso seria o uso racional do dinheiro público, acabando com a farra nos cofres da hidrelétrica.

Ágide Eduardo Meneguette, presidente interino do Sistema FAEP.

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Papa Francisco: o serviço pela escuta

Desde o início de seu pontificado, Papa Francisco apresentou ao mundo uma nova forma de liderança espiritual: humilde, próxima, profundamente humana. Longe da ostentação e da rigidez institucional, seu modo de atuar foi marcado por uma virtude revolucionária na prática e no simbolismo: a escuta. Em vez de se posicionar como aquele que detém todas as respostas, Francisco escolheu o caminho da atenção sensível ao outro, reconhecendo que o verdadeiro ensinamento nasce do encontro sincero com as dores, as alegrias e as esperanças do próximo, especialmente dos marginalizados, na construção coletiva de caminhos de justiça e inclusão. Essa postura não é apenas um método de comunicação, mas uma teologia encarnada, que reconhece a dignidade e o protagonismo dos excluídos como centrais para a transformação social.

Francisco não ensinava por imposição, mas por convivência, com uma escuta ativa, comprometida, visceral. Ele não ouvia apenas para responder, mas para compreender, para se deixar tocar e transformar. Essa postura foi fruto de uma trajetória forjada nas margens de Buenos Aires, nas “franjas” da sociedade, onde conviveu com o sofrimento humano em sua forma mais dramática. Lá, aprendeu que a realidade social pode ser cruelmente excludente e amarga – e que qualquer transformação verdadeira só nasce quando se parte do concreto, da experiência vivida, do clamor dos invisibilizados.

“Sujando os pés no barro da realidade”, percebeu que a justiça não se decreta – ela se constrói a partir da escuta das vozes silenciadas. Em encontros com comunidades faveladas, refugiados ou indígenas, ele não chegava com soluções prontas, mas com a pergunta: “O que vocês precisam? Como a Igreja pode caminhar ao seu lado?”. Essa disposição de aprender com o outro desmonta hierarquias e permite que a mensagem cristã frutifique em respostas concretas, como políticas de inclusão ou denúncias contra a economia que mata (cf. *Evangelii Gaudium*).

O Papa caminhava com os pobres não para lhes ensinar a salvação, mas para, junto deles, encontrar caminhos de justiça e libertação. Sua missão foi a de servir, e seu serviço foi a inclusão. Ao ouvir os excluídos, Francisco reconheceu neles não apenas destinatários de ajuda, mas sujeitos plenos, dotados de voz, saber e dignidade. Sua escuta foi, portanto, um ato profundamente político e espiritual; a ferramenta por meio da qual construiu, coletivamente, uma cultura do encontro, que valoriza o protagonismo de cada pessoa e comunidade.

As viagens pastorais de Francisco são ilustrações poderosas dessa escolha radical. Longe dos palácios vaticanos, ele preferiu as favelas, os campos de refugiados, os hospitais, os presídios. Não temeu sujar sua batina com o barro das vielas – ao contrário, ele buscou essas marcas como símbolos de um sacerdócio encarnado na realidade. Em sua visita à comunidade de Manguinhos, no Rio de Janeiro, sintetizou essa postura de forma singela e profundamente significativa: “basta colocar água no feijão”. Com essa frase, ele exaltou o verdadeiro “jeitinho brasileiro” – a solidariedade – como expressão de esperança e partilha em meio às dificuldades.

Essa prática pastoral encontra eco e coerência no pensamento teológico de Francisco. Suas encíclicas – entre as quais se destacam Laudato Si’Fratelli Tutti e Evangelii Gaudium – são verdadeiros tratados sobre os desafios contemporâneos. Nelas, ele refletiu sobre o cuidado com o meio ambiente, a centralidade do trabalho, a importância da saúde mental e emocional, a urgência de políticas inclusivas e a necessidade de um novo pacto social baseado na fraternidade universal. Mas, mesmo nesses escritos, o tom não é de quem dita verdades absolutas: é de quem convida ao diálogo, à escuta mútua, à construção coletiva.

O serviço pela escuta, promovido por Papa Francisco, é, portanto, um chamado à conversão das consciências. Trata-se de um modelo de liderança que não se sustenta na força do poder, mas na força do amor. Um amor que se traduz em escuta verdadeira, em presença concreta, em ação comprometida com a justiça e com a dignidade de todos – especialmente dos mais esquecidos. O Papa não apontou o caminho: caminhou junto. E, com isso, ensinou que a Igreja – e o mundo – só serão verdadeiramente humanos quando forem também verdadeiramente inclusivos.

André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP. Cientista político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador cultural, escritor e professor (Instagram: @andrenaves.def).