O paradoxo do emprego e da informalidade no Brasil

O Brasil vive uma situação paradoxal. De um lado, registrou-se, em 2024, o recorde de vagas formais e o menor nível de desemprego da série histórica. Mas, de outro, a informalidade teima em persistir em todo o País e, de modo mais acentuado, em alguns bolsões. Sete estados têm mais da metade de sua força de trabalho atuando sem carteira assinada, segundo dados da Pnad Contínua do IBGE. Tal cenário nos leva a refletir sobre o tripé “qualificação, formalidade e produtividade”. São três pilares que, quando desalinhados, criam um desequilíbrio capaz de frear o progresso e o crescimento sustentado.

A informalidade não é um problema exclusivamente brasileiro, mas aqui assume proporções que nos distanciam bastante do mundo desenvolvido. A taxa média dentre os membros OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) varia entre 10% e 15%, beirando a 5% nos países nórdicos. No Brasil, oscila entre 36% e 38%. No Pará, Piauí, Maranhão, Ceará, Amazonas, Bahia e Paraíba, mais de 50% dos trabalhadores estão na informalidade. Até mesmo Santa Catarina, exemplo de desenvolvimento industrial, convive com uma taxa de 25% a 26%, também acima da média das nações ricas. Esse é um desafio que não se resolve apenas com políticas públicas genéricas, mas com ações regionalizadas e sensíveis às particularidades de cada região.

Um dos mitos que precisamos desconstruir é a ideia de que a informalidade é sempre uma escolha. Sim, há, hoje, quem prefira trabalhar por conta própria, seja pela flexibilidade, seja pela falta de atratividade dos empregos formais ou até mesmo pela diminuição da diferença de renda entre o trabalho informal e o informal: conforme dados do IBGE, em 2015 quem tinha carteira assinada ganhava 73% mais do que os que não eram registrados. Em 2024, apenas 31%

No Rio de Janeiro, por exemplo, fatores como criminalidade e distância do local de trabalho pesam na decisão. Muitos, em todo o nosso país, estão na informalidade por falta de opção. E é aí que entra a qualificação. Sem uma base educacional sólida, que prepare as pessoas para os empregos do presente e do futuro, fica difícil reduzir ampliar o índice de vagas com carteira assinada e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade.

A propósito, a questão da produtividade é crucial. A riqueza de um país não se sustenta sem ganhos recorrentes nesse quesito. Mas, a informalidade, em muitos casos, é um obstáculo a esses ganhos. Trabalhadores informais tendem a ter menos acesso a treinamentos, tecnologias e condições adequadas para produzir mais e melhor. Isso cria um ciclo vicioso: baixa produtividade gera menos riqueza, que, por sua vez, limita os investimentos em educação e infraestrutura, perpetuando a informalidade. Assim, é preciso refletir se os dados atuais do emprego, como já tivemos em outros momentos, não é um voo de galinha…

A solução, claro, não é simples. Não existe uma “bala de prata” que resolva todos os problemas de uma vez. Porém, há caminhos. Um deles é fortalecer a base industrial, setor que historicamente oferece mais empregos formais e mais bem remunerados. Estados com uma indústria robusta já mostram que essa é uma direção promissora. Outro caminho é pensar em formas flexíveis de trabalho que combinem proteção social e adaptação às necessidades das pessoas. O MEI (Microempreendedor Individual) é um exemplo interessante, pois permite que trabalhadores informais contribuam para a previdência social, ainda que de maneira modesta.

Cabe ponderar, ainda, que o Brasil é plural. Não há solução única para um “continente” com realidades tão diversas. O que funciona no Sul pode não fazer sentido no Nordeste. O que atrai um jovem na capital pode não interessar a um trabalhador rural. Por isso, políticas públicas precisam ser desenhadas com sensibilidade regional e um olhar atento às diferentes formas de trabalho que coexistem no País. Seja um emprego formal, um trabalho autônomo ou uma ocupação temporária, o importante é que todos tenham acesso a condições dignas e oportunidades de crescimento.

Afinal, o desafio é equilibrar o tripé: “qualificar as pessoas para que possam escolher entre a formalidade e a informalidade sem abrir mão de seus direitos”; “reduzir a informalidade sem engessar a economia”; e “aumentar a produtividade sem perder de vista a diversidade de realidades que compõem o Brasil”. Não é uma tarefa fácil, mas seu enfrentamento é essencial para que promovamos ampla inclusão socioeconômica, crescimento sustentado do PIB e geração massiva de empregos dignos em todas as modalidades hoje existentes.

Fernando Valente Pimentel é o diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

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Golpe ou Preparação? O julgamento de Bolsonaro e militares no STF pode mudar o futuro do Brasil

Desde o início de 2023, o Brasil tem vivido as consequências jurídicas e políticas dos atos antidemocráticos ocorridos em 8 de janeiro, quando centenas de pessoas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. Após julgamentos conduzidos pelo Supremo Tribunal Federal, muitos dos envolvidos foram condenados a penas severas por crimes como tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa e dano qualificado. Diante disso, lideranças políticas ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro passaram a defender uma proposta de anistia para os réus condenados e processados pelos atos daquele dia.

A proposta reacendeu o debate sobre os limites constitucionais da anistia e até que ponto ela pode ser usada como ferramenta política. Afinal, é possível conceder anistia a quem cometeu crimes contra a democracia? Quais seriam as consequências jurídicas e institucionais dessa medida? Entenda o que pode ocorrer de acordo com o Direito Constitucional, da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da opinião de juristas renomados.

O que é anistia no Direito brasileiro?

A anistia é uma forma de extinção da punibilidade, prevista no artigo 107, inciso II, do Código Penal, que ocorre por meio de lei aprovada pelo Congresso Nacional. O artigo 48, inciso VIII, da Constituição Federal determina que cabe ao Poder Legislativo conceder anistia. A anistia se diferencia do indulto, que é concedido pelo Presidente da República, e da graça, que é individual. Ela é ampla, geral e tem efeitos retroativos — apaga o crime e seus efeitos penais, como condenações e cumprimento de penas.

Historicamente, a anistia foi utilizada como instrumento de pacificação nacional. O exemplo mais marcante foi a Lei da Anistia de 1979, que perdoou tanto os agentes do regime militar quanto os opositores políticos perseguidos durante a ditadura. No entanto, o uso desse instrumento carrega forte conteúdo político e simbólico, e por isso deve ser cuidadosamente avaliado sob a ótica dos princípios constitucionais.

Quais crimes não podem ser anistiados?

Apesar de ser prerrogativa do Congresso, a anistia não é ilimitada. A própria Constituição Federal estabelece vedações expressas. Segundo o artigo 5º, inciso XLIII, são inafiançáveis e insuscetíveis de anistia os crimes hediondos, o tráfico de drogas, a tortura e o terrorismo.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal tem interpretado que a anistia não pode ser aplicada a crimes contra o Estado Democrático de Direito, especialmente quando configuram tentativas de golpe ou ruptura institucional. Esse entendimento se consolidou a partir dos julgamentos dos envolvidos no 8 de Janeiro, nos quais a Corte destacou o caráter grave e excepcional das condutas praticadas — com ameaça direta às instituições republicanas, ao Estado de Direito e ao próprio funcionamento da democracia.

O advogado criminalista Dr. João Valença, do escritório VLV Advogados, destaca que, embora o Congresso Nacional possua competência legislativa para conceder anistia, há limites constitucionais que não podem ser ignorados, sob pena de inconstitucionalidade da norma.

“A Constituição de 1988 é muito clara ao vedar a anistia para crimes que ameacem a ordem democrática, especialmente quando se trata de tentativa de golpe ou abolição do Estado Democrático de Direito. A proposta de anistiar os envolvidos no 8 de Janeiro, portanto, esbarra diretamente nessa cláusula de proteção. Ainda que haja vontade política no Congresso, qualquer lei que contrarie esse princípio poderá ser questionada e eventualmente anulada pelo STF, em respeito à supremacia da Constituição”, afirma Valença.

Além disso, o jurista alerta para os efeitos simbólicos e práticos da anistia nesse contexto:

“A anistia, quando mal utilizada, pode representar um recado de impunidade, incentivando novas ações violentas e colocando em risco o pacto democrático. O Brasil precisa fortalecer suas instituições e não recuar diante de ataques ao Estado de Direito. Qualquer passo em falso pode ser interpretado como tolerância à ruptura institucional.”

Anistia como ferramenta política: interesses em jogo

A defesa da anistia por parte de lideranças bolsonaristas tem um caráter marcadamente político. A proposta não visa apenas aliviar a situação de manifestantes, mas também proteger figuras de maior expressão que estão sob investigação ou julgamento, inclusive o próprio ex-presidente, que responde a inquéritos no STF e pode ser responsabilizado por incitação aos atos de 8 de Janeiro.

Essa movimentação também se articula como estratégia eleitoral, mirando o eleitorado que considera as punições excessivas e acredita na narrativa de que os envolvidos foram “patriotas”. No entanto, a politização da anistia pode comprometer a seriedade do sistema de Justiça, sobretudo se for usada como moeda de troca ou como forma de pressionar o Judiciário.

Quais os riscos institucionais de conceder essa anistia?

Do ponto de vista jurídico, a aprovação de uma lei de anistia para os atos de 8 de Janeiro, caso venha a ocorrer, certamente será questionada no Supremo Tribunal Federal, que poderá declará-la inconstitucional. Isso causaria choque entre os Poderes, comprometendo a harmonia institucional prevista no artigo 2º da Constituição.

Além disso, especialistas alertam que perdoar crimes contra o Estado de Direito pode enfraquecer o princípio da responsabilização, gerando um efeito cascata perigoso: se a democracia pode ser atacada sem consequências reais, outros grupos extremistas podem se sentir encorajados a repetir atos semelhantes no futuro.

A proposta de anistia para os investigados e condenados pelos atos de 8 de Janeiro precisa ser analisada com responsabilidade e profundidade. Embora a Constituição permita ao Congresso legislar sobre o tema, essa competência está limitada por princípios fundamentais da ordem democrática. Crimes contra o Estado de Direito não podem ser tratados como meras infrações políticas — são ataques à própria base da convivência republicana.

O comentário do advogado Dr. João Valença reforça que o Estado deve permanecer firme na defesa da Constituição, da democracia e da estabilidade institucional. Conceder anistia a atos golpistas significaria não apenas um recuo legal, mas também um enfraquecimento simbólico das instituições que sustentam a República.

No fim, a verdadeira pacificação nacional não virá com o perdão incondicional, mas com o fortalecimento da Justiça, do respeito às leis e da proteção intransigente ao Estado Democrático de Direito.

Gabriela Matias, jornalista, redatora e assessora de imprensa, graduada pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Instagram: https://www.instagram.com/gabrielamatiascomunica/

Com informações de publicações em diversos sites, como https://vlvadvogados.com/ e site de notícias https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/03/25/sob-forte-seguranca-stf-inicia-julgamento-que-deve-tornar-bolsonaro-reu-por-golpismo-e-limitar-seu-futuro-politico.ghtml