Artigo: Chocolate “afrodisíaco”: reais, apenas os riscos
Sexo vende, e não é de hoje. Desde tempos imemoriais homens e mulheres buscam receitas e produtos que prometem melhorar a vida sexual, aumentar o prazer ou turbinar suas relações. Aqui mesmo na Revista Questão de Ciência já alertamos sobre o “melzinho do amor”, um sachê com um conteúdo adocicado de composição incerta vendido por camelôs que chamou a atenção das autoridades e teve a fabricação proibida pela Anvisa.
Ossos do ofício, minhas navegações pela internet e redes sociais em busca de pautas frequentemente me levam para sites promovendo pseudociências e produtos duvidosos do tipo. Assim, não foi com surpresa que recentemente o algoritmo do Instagram fez com que minha conta fosse invadida por anúncios de um chocolate “afrodisíaco”. Supostamente feito “exclusivamente” com ingredientes “naturais”, ele prometia revolucionar minha vida sexual e da minha parceira.
Hora então de ir ao trabalho e pesquisar mais sobre a oferta. E aí começam os problemas. Dependendo da página que se consulta, os ingredientes variam. Em comum, além do óbvio cacau para fazer o chocolate – ora apresentado como “energizante” e fonte de substâncias que “melhoram o humor”, ora um “afrodisíaco natural”, “fonte da juventude” e até o “ingrediente combustível da paixão do mundialmente famoso carnaval brasileiro” -, as listas incluem a erva Epimedium e raiz de maca.
Também conhecida com o sugestivo nome de “erva-do-bode-excitado“, a Epimedium sagittatum é usada na chamada “Medicina Tradicional Chinesa” como tratamento para uma ampla gama de condições por suas supostas propriedades “rejuvenescedoras” via “nutrição dos rins e reforço do yang“. O foco do “chocolate afrodisíaco”, porém, provavelmente está na sua indicação para tratar fadiga, problemas sexuais – como disfunção erétil – e sintomas da menopausa, dada a forte presença do flavonoide icariin em sua composição. O icariin pode promover a síntese de estrogênio e afetar a regulação de hormônios sexuais, mas os estudos são limitados, geralmente se restringindo a testes in vitro ou com animais em condições distantes de seu uso prático, como a injeção de um extrato de epimedium diretamente nos corpos cavernosos de pênis de ratos.
Já a maca é o nome popular do tubérculo Lepidium meyenii. Também conhecida como maca-peruana, a planta é originária da região dos Andes e, como a epimedium, é tradicionalmente usada como tratamento para diversas condições, supostamente exibindo propriedades tão díspares como neuroprotetora e anti-inflamatória a atividade antialérgica e reguladora do sistema imune. Como não poderia deixar de ser, porém, a maca também aumentaria a libido e combateria a disfunção erétil, justificando sua inclusão na receita do “chocolate afrodisíaco”.
Composição misteriosa
Daí em diante, no entanto, a real composição do produto é um mistério. Em uma das publicações da página promovendo o “chocolate afrodisíaco” que apareceu no meu feed no Instagram ele também conteria desidroepiandrosterona (DHEA). Hormônio esteroide produzido pela glândula suprarrenal, a desidroepiandrosterona é um precursor de estrogênios e progesterona, com efeitos sobre o corpo similares aos da testosterona, e sua presença joga por terra a alegação de que o produto é composto “exclusivamente” com ingredientes “naturais”.
Naturalmente, porém, a suplementação de DHEA está cercada de alegações de benefícios. A lista é extensa, indo de melhora do humor, energia e sensação de bem-estar a aumento da força e massa muscular, desempenho atlético, estímulo ao sistema imune, redução do colesterol e da gordura corporal, alívio da depressão, reversão do envelhecimento, melhora da aparência da pele envelhecida e da função cerebral e aumento da libido. De acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), no entanto, a única condição médica em que se justifica considerar terapia sistêmica com DHEA é a insuficiência adrenal crônica em mulheres, doença rara em que as glândulas adrenais (suprarrenais) deixam de produzir seus hormônios corticais.
“A deidroepiandrosterona (DHEA) é um hormônio e não é um suplemento natural isento de riscos”, destaca a SBEM em campanha de esclarecimento sobre a saúde adrenal lançada este ano. “Ela não serve como reposição para melhorar a massa muscular, a libido, a depressão, o envelhecimento, o fortalecimento do sistema imunológico, o humor e aumentar a energia. Portanto, é fake que a DHEA é um suplemento que melhora o vigor físico e a libido”.
Assim, além de SBEM alertar que “não há comprovação científica de que esse hormônio traga benefícios para o indivíduo”, não há indicações de segurança para seu uso ao longo de meses ou anos. Segundo a sociedade médica, o uso indiscriminado da DHEA foi relacionado a riscos como ginecomastia (crescimento de mamas) e sintomas depressivos em homens associados a uma tendência à elevação das concentrações de estrogênio (hormônio feminino), e hirsutismo (crescimento de pelos faciais) e queda de cabelo associados ao aumento da testosterona (hormônio masculino) em mulheres, além de acne, cefaleia, alterações de humor. Também há relatos de risco de estimulação de câncer de próstata, de fígado e de mama, diminuição dos níveis de colesterol “bom” (HDL), aumento das taxas de triglicerídeos e piora da síndrome do ovário policístico (SOPC), bem como casos de mania e um de convulsão.
Outro perigo da compra do “chocolate afrodisíaco”, para além de sua ineficácia e riscos à saúde, é o golpe financeiro puro e simples. Apesar de afirmar que o produto é fabricado nos EUA e dos textos em inglês, a conta do Instagram cujos anúncios surgiram no meu feed indica ter sido criada no Brasil em maio de 2022, tendo passado por cinco alterações de nome de usuário desde então.
Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência